quinta-feira, 1 de março de 2012

A Despensa



- Pai, se temos a despensa cheia, é capaz da nossa cabeça ficar… vazia?
- Deixa eu sentar, que eu sei que lá vem história. Me explica isso aí direito.
- Des-pensa, ué. Se estamos cheios na des-pensação, nossa cabeça deve ficar vazia mais facilmente.
- E a barriga, cheia.
- E é mais importante encher barriga do que pensar?
- Eles pensam que é.
- Eles quem?
- Quem quer que seja que pense diferente de você.
- Eles são muitos, então…
- E têm barrigas maiores, também.
- Nunca alguém colocou livros na despensa?
- Acho que ela é feita sob medida pra coisas mais calóricas…
- Mas, livros me aquecem, pai.
- Mas, não te fazem crescer a barrigona. São aquecedores mas não são calóricos; são doces mas não são açucarados; são macios mas não são gordurosos. E você tem é sorte, do jeito que devora livros, já seria um  menino obeso.
- Sou um obeso mental, pai. Aliás, obeso não, que é muita pretensão, e dá hipertensão também. Mas, de certo eu carrego um sobrepeso mental. Ah, se carrego!
- Então a sua mente precisa caminhar. Já levou ela pra passear hoje?
- Não sei se isso é viável, pai. Ela não tá acostumada com correntes… Eu normalmente saio pra passear com ela solta, sem coleira, mas fico com medo dela sair correndo na frente e acontecer de vir um caminhão pesado e passar por cima dela.
- Medo de que atropelem a sua mente, filho?
- É. Já aconteceu algumas vezes em que eu fui passear com ela…
- E como é isso?
- Tenho vários exemplos. Eu sento ali na sala, no sofá de frente com a varanda, e a minha mente fica passeando pela paisagem daquela montanha um tempão comigo, aí chega a minha mãe e liga a TV pra ver novela. Ou então, quando eu vou andando até a beira do rio e me sento pra deixar minha mente nadar um pouco, sempre vem alguém sentir dó de mim e perguntar por quê eu não estou brincando com os outros garotos. Esses caminhões deveriam ser proibídos de passar no meu caminho, pai.
- Fura o pneu deles, filho! Eu te ajudo!
- Eu precisaria mesmo de ajuda… Sabe, isso acontece com o tio Carlos também, ele diz que quando ele leva a mente dele pra passear, a lei é o caminhão dele. O tio Ricardo diz o mesmo. Eu não entendi muito bem, mas fiquei sadicamente feliz de saber que não sou atropelado sozinho.
- É… Nossas mentes têm feito morada no UTI, não é Victor?
- É! E não temos planos pra saúde mental, né?
- Não temos planos pra nada, filho. Estamos é planando, com a sorte de sermos amigos do vento.
- Sua mente passeia em versos, né pai?
- Passeia na poesia!
- E qual é o caminhão que ameaça atropelar sua mente e atrapalhar esse passeio?
- Eu mesmo, filho. 

A gente não quer só comida. 

3 comentários:

  1. Quando crianças, adultos nos atropelam...Quando adultos, entendemos o porque e mesmo assim nos atropelamos!

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  2. caraca Deia!!! vc me atropela (ou me desatropela?!?) com tanta beleza e genialidade, fico embasbacada, com os olhos marejados e sorriso solto...

    escreva Deia, escreva...

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  3. Olá Deia,
    Sou amiga da Talita Iris e ele me apresentou o seu blog. Incrível a sua genialidade, me perdoe, mas seus textos me roubaram todas as palavras decentes que eu poderia postar aqui.
    Estou seguindo, pode?
    Beijos
    Sah
    saahandradee.blogspot.com

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Ei, você entendeu alguma coisa?