quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O Ladrão



Um aviso: Victor estava de mal humor 

- Bom dia menino bonito! Veio se consultar com o médico?
- Existe algum outro serviço nesse consultório, dona?
- Não, filho. Não que eu saiba.
- Então eu não entendi o que motivou a dúvida da sua pergunta.
- Você é bem inteligente, não é rapaz?
- Depende da inteligencia de quem conversa comigo. Tudo é uma questão de contraste.
- Eu aposto que aquele carrinho azul no corredor é teu!
- A senhora é viciada em jogos de azar?
- Não! Deus me livre!
- Mas, está apostando até para saber a quem pertence um carrinho de brinquedo! Desculpa, mas isso parece coisa de viciado.
- Não, meu filho. Isso é só um modo de falar.
- E não deixa de ser um modo de apostar. Mas, tudo bem, a senhora venceu. O carrinho é meu mesmo.
- E você não sabe que não deve deixar suas coisas espalhadas?
- Ele não está espalhado, ele está no corredor. Assim como o vaso de plantas.
- Mas o vaso de plantas faz parte da decoração.
- Agora o meu carrinho também faz.
- Mas, ele não combina com nada no corredor, como pode fazer parte da decoração?
- Sua roupa não combina com seu sapato também, senhora. Como podem fazer parte da mesma decoração?
- Porque é a minha roupa, meu sapato, minha exposição. Portanto, eu que preciso aprovar a combinação. E eu aprovei.
- O corredor, o vaso de plantas e o meu carrinho fazem parte de alguma exposição sua?
- Claro que não.
- Então você não precisa aprovar a combinação.
- E você já pensou que a essa altura o carrinho pode nem estar lá mais?
- Não, não pensei isso. Por que pensaria?
- Ora, por que quem deixa seus pertences largados fora do alcance de suas vistas está pedindo para ser roubado!
- Ele não está largado, esqueceu? Essa é a minha exposição, respeite a minha arte.
- Tudo bem. Mas se alguém te roubar a sua “arte”, você não vai poder reclamar!
- Picasso também não poderia? Ele também expunha sua arte.
- Se ele expusesse sua arte, sem proteção, no corredor de um prédio e fosse roubado, não teria justificativa para reclamar, pois ele incentiva o roubo ao deixar sua arte desprotegida.
- Acha mesmo que alguma arte está protegida? E acha mesmo que é a proteção a responsável por impedir roubos?
- Se a arte estiver trancada e segura, sim, ela está protegida. E, tendo segurança, impediremos os roubos, sim. Isso inibe o ladrão, enquanto a falta de segurança o incita a cometer o delito.
- Dona, esse carrinho fui eu mesmo quem fiz, ele é mesmo a minha obra de arte. Ele fica onde ele quiser, eu não posso obrigá-lo a ir a lado algum.
- Filho, é só um carrinho, basta pegá-lo e guardá-lo na sua mochila. Ele não tem poder de decisão.
- Errado, dona. Toda arte é uma extensão do artista, e isso significa dizer que esse carrinho nada mais é do que uma parte minha fora de mim. Se é uma parte minha e se eu tenho vontades, logo, uma parte minha também tem vontades. E a vontade dele é ficar ali. Se ele sentir vontade de mudar de lugar, eu sinto também, e o atendo prontamente. Mas, agora ele quer ficar ali.
- É, mas quando ele for roubado, pisoteado ou chutado, vai ser consequencia da sua falta de zelo.
- Existe zelo maior que dar liberdade à uma obra?
- Sim, dar cuidado, vigiar e evitar que alguém pense em destruí-la. Liberdade é para quem sabe usá-la.
- Não se condiciona a liberdade, dona, assim como não se desenrosa uma rosa. E nenhuma falta de cuidado justifica que alguém te roube algo.
- Justifica sim. Se quer deixar largado, tem a responsabilidade por despertar a cobiça de outra pessoa.
- Não justifica, facilita. É diferente. A senhora acredita em Deus, certo?
- Vou à missa todos os domingos, rapazinho.
- Isso não responde a minha pergunta, mas vou adiante. Deus é um baita artista, a senhora deve concordar…
- Concordo plenamente!
- E a senhora vê Deus encoleirando suas obras para exigir que fiquem sob a proteção dEle?
- O que tem isso a ver com seu carrinho? Você, além de artista, acha que é um deus?
- O sarcasmo é um sinal de falta de argumento, dona. Eu sei que a senhora não vê Deus encoleirando pessoas, assim como Ele não impede que alguém brinque com fogo para evitar queimaduras; ou que alguém ande de avião, para evitar quedas e mortes; ou que alguém não creia nEle, para não perder a salvação, e muitas outras coisas que ele poderia fazer, mas não faz, porque nós, as obras, somos livres. Somos uma extensão do que acreditamos que seja o nosso criador, e se ele é livre, nós também somos. Os museus sim, são cheios de segurança, vigilância, alarmes, parece até religião. Mas as obras são livres para ir ou não para o museu, de acordo com o que as faz mais feliz. Então, seguindo a sua lógica, Deus nos deixar livres significa nos deixar largados. Se Ele nos deixa largados, alguém pode nos maltratar e, caso isso aconteça, a culpa é toda de Deus.
(Recepcionista Paula) - Dona Angela, esse celular estava lá embaixo na lanchonete, e se eu não me engano, é da senhora.
- Paula! Eu já estava achando que tinha perdido! Muito obrigada, minha filha, Deus lhe abençoe! Honestidade hoje em dia é muito difícil de se encontrar. Viu mocinho, isso poderia ter acontecido com o seu carrinho!
- Dona, é muito difícil encontrarmos coisas que não buscamos. A senhora procura ladrões o tempo todo. Muito me estranharia que seus olhos avistassem honestidade se o foco está ajustado justamente no oposto dela.


2 comentários:

  1. de livre arbítrio o Victor entende!!!
    Beijão flor!

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  2. Entendi que esse menino é extremamente grosso e sem educação. Se a mãe e o pai do VICTOR desse educação a ele, com certeza seria uma criança menos insuportável. Garotinho chato e arrogante.

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Ei, você entendeu alguma coisa?