quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A Palma


- Mãe, se alguém um dia for te dar um tapa, vou pedir uma salva de palmas.
- Não entendi, Victor. Acha bonito que alguém me bata?
- Não mesmo, não quero que te batam nunca.
- Então porque vai aplaudir caso isso aconteça?
- Não disse que vou aplaudir. Vou é te acudir. Vou pedir uma salva de palmas.
- Victor, você me preocupa. Às vezes não entendo nada do que você fala.
- Mas, mãe, “salva” não vem de “salvar”?
- Não exatamente, filho.
- É sim, mãe. Eu vi no dever de ontem, quando conjuguei esse verbo no presente, no passado e no futuro. Mas, peraí, se eu conjuguei o verbo ontem, só pode ser no passado... Estranho dizer isso.
- Ai, Victor… Essa sua cabecinha é surpreendente mesmo! E eu ainda não entendi nada.
- Mãe, você deveria ler mais, pra agilizar o raciocínio. Se eu te peço uma salva de palmas, você fica livre de levar palmadas. Porque palmadas vem de palmas, não é?
- Eu começo a achar que você é que deveria ler menos… Victor, “salva de palmas” é uma expressão. Não quer dizer exatamente o que está escrito. “Salva de palmas” é o mesmo que “aplaudir”.
- Mas, mãe. Isso eu não entendo. Se as palavras não querem dizer o que está escrito, então qual é o sentido de usá-las na nossa comunicação?
- Calma, filho. Nem todas as palavras são assim. Só as expressões é que, às vezes, juntam palavras para dizer uma só coisa que essas palavras separadas não dizem, e praticamente viram uma palavra só.
- Calma, mãe. Então quer dizer que uma expressão não é exatamente o que está dentro dela?
- Por que não espera seu pai chegar? Ele explica melhor.
- Porque, quando eu me expresso, é pra mostrar exatamente o que está dentro de mim. E quando eu tenho uma impressão de alguém, é algo que pode ser ou não verdadeiro, não é? Então porque não chamamos essas expressões de impressões?
- Victor, porque esse é um modo de dizer as coisas de maneira diferente, é um modo de se expressar, de explicar. As pessoas já estão acostumadas e sabem o que essas expressões querem dizer.
- Mas não me explica nada. Só me confunde mais. E as pessoas ainda ficam de pé para consagrar essa confusão de palavras, batendo uma palma na outra, como modo de afirmar que estão de acordo com o que está sendo mostrado?
- Por que você não vai brincar com os coleguinhas na rua ao invés de ficar se enchendo de dúvidas, Victor? Vocês se divertem tanto brincando juntos!
- Ah, mãe… Acho que somos uma expressão dessas aí.
- Como assim, filho?
- Ah, sabe como é… A gente se junta e brinca, e você entende como uma diversão. Mas, separadamente, cada um de nós não está exatamente se divertindo. Acho que estamos só nos distraindo… O Pedrinho se diverte de verdade só quando tá na piscina, nadando. Ele é tipo uma palavra aquática, sabe, dessas que boiam, afundam, molham… O Davi se diverte mesmo é quando tá jogando futebol. Ele é uma palavra ágil, sabe mãe? Do tipo que dribla, você pensa que vai pra um lado, e ela vai pro outro. O Artur se diverte é quando vê um filme. Ele é uma palavra fantástica, sabe? Dessas que viajam dentro de um monte de realidade… E eu me divirto verdadeiramente só quando brinco com o Tobias e ele corre atrás de mim, pula, baba, late. Eu acho que eu sou uma palavra animal, tipo um latido ou um miado.
- Mas, juntos vocês não ficam alegres?
- Sim, mas separados também. Alegria é outra coisa, mãe. To dizendo que você olha e enxerga diversão onde não tem diversão de verdade. Você acredita numa mentira. Não te incomoda?
- Tá bom, Victor. Você venceu. Já nem me lembro mais como esse assunto começou.
- Começou quando eu falei que pediria uma salva de palmas caso alguém fosse te dar um tapa.
- E se alguém for me chutar, por acaso você pede uma salva de solas?
- Não, mãe. Eu peço pra ser o goleiro.

(Nesse dia eu apanhei, sem salva de palmas. Não quis chamar minha mãe de bola, quis dizer que eu defenderia. Mas ela não entendeu. Ela não entende quase nada.) 

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Ei, você entendeu alguma coisa?