A Meia

- Mãe, porque a meia tem esse nome?

- Porque ela é metade de um par, filho. Um pé casando com o outro.

- Hum. Então todos nós somos meia?

- Sim, todos temos um par.

- Mãe, mas só é par se casar uma meia direita e uma meia esquerda?

- Isso, filho. Senão fica desconfortável pra maioria das pessoas.

- Então uma meia de cada pé me garante conforto?

- Isso.

- Então eu vou casar com o par que me garantir conforto?

- Isso, também.

- Mas e se alguém quiser casar duas meias esquerdas? Que nome se dá, já que não pode ser um par?

- Isso seria uma situação ímpar, filho.

- Ímpar é o que não dá divisão exata, né mãe?

- Sim, você aprendeu na escola, certo?

- Foi. Então se duas meias são um par, é porque uma é menina e a outra é menino, e aí dá pra casar. Mas, se forem dois pés esquerdos, vai faltar ou a menina, ou o menino, e aí não dá pra casar, porque é desconfortável pra muita gente.

- Você entendeu direitinho.

- Mãe, o salto alto é confortável?

- Não mesmo, filho.

- Mas, muita gente usa, mesmo sendo desconfortável?

- Usa, pra ficar bonito.

- Então é só por vaidade?

- É, filho.

- Então, se for por vaidade, que é um pecado, a maioria das pessoas permite o desconforto. Mas, se a maioria não achar bonito, não permitem, né mãe?

- Victor, calça logo o sapato.

- Mãe… Eu não acho o salto alto bonito e não entendo como a beleza pode ser desconfortável. Como essa idéia é aceita tão naturalmente?

- Foram anos e anos cultivando a cultura do salto alto, filho.

- Será que dá tempo de cultivar a beleza do ímpar, mãe?

- Acho difícil, filho. As pessoas já estão acostumadas com o par.

- Mas, dois ímpares também formam um par, mãe.

- Já está pronto? Estamos atrasados.

- Mãe, eu não acho o outro pé dessa meia. Tem problema eu pegar um pé de outro par?