sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A Flor




- Ei pai, tá ocupado?
- Eu nunca estive desocupado, filho. E é por isso que eu tenho tempo pra tudo, diga lá!
- Hoje no colégio uma menina recebeu um buquê de flores de um garoto que gosta dela…
- Ah é? Qual menina?
- Ah, uma lá.
- Entendi. E você gosta de alguma menina que mereça um buquê de flores, Victor?
- Pai, eu já sou brega ao me vestir, não preciso ter comportamentos românticos bregas.
- Você não é brega, nada. Eu me amarro nas suas roupas!
- Você é mais brega do que eu, pai.
- Então, voltemos a falar sobre meninas… Tá gostando de alguma é?
- Não, pai. Tenho muito o que fazer antes de gostar de alguém ainda.
- Então você está planejando dar flores a quem?
- Ninguém, pai. Na verdade eu quero saber de você, por que é que as pessoas matam flores pra demonstrar amor?
- Filho, eu não sei se posso te responder isso da melhor maneira, mas posso te dar minha opinião, serve?
- Eu acho que é a melhor maneira, pai.
- Sei não… Mas, acho que as pessoas se preocupam bastante em demonstrar o amor através de coisas, sabe filho? O sacrifício das flores é um bom exemplo. Elas, por si só, não significam o amor que seu coleguinha sente pela sua coleguinha, mas o ato de entregar flores, sim. Porque se constituiu, ao longo do tempo, que isso significa demonstrar amor.
- E essas coisas que se constituem não são repensadas nunca mais? Quer dizer, as flores não têm nada a ver com uma paixão ou outra, a função delas não é essa. Elas morrem fora de hora para celebrar amor, há tempos, e isso ainda não mudou? Isso eu não entendo.
- Coisas piores acontecem em nome do amor, filho. Morrem não só flores, mas também valores.
- Então tem algo errado com o amor?
- Não, Victor. O amor não tem nada a ver com a forma com a qual ele é tratado. Tem algo errado com quem não vive em amor.
- E viver em amor, pai, o que é?
- Viver em amor é perceber o que não é para ser percebido. O amor achou o mundo doido, Victor, e se escondeu. E para viver em amor nós precisamos perceber o que não está disposto a nossa frente quando nós somos apenas reprodutores de costumes, como o costume de matar flores.
- Entendi, pai. Não parece tão difícil.
- E não é, mesmo. Mas, o mundo vai dizer que é.
- E por que?
- Porque isso é segredo, filho. Se todo mundo souber, os que lucram com a infelicidade vão falir.
- Ah é, já conversamos sobre isso…
- Era por essa dúvida que você estava olhando aquelas flores ali no jardim?
- Também, pai.
- Estão murchas, né?
- Era justamente sobre isso que conversávamos.
- Conversávamos?
- Sim, eu e as flores.
- Ah, sim.
- Eu fui até lá esperando encontrar um velório, pai. Flores murchas e tristes. Mas, cheguei lá e elas estavam todas cochichando, alegres e muito perfumadas. Perguntei o motivo de tanta alegria, já que estavam murchas, e uma me respondeu que elas estavam simplesmente olhando para baixo, porque é isso que fazem as pessoas que andam: olham para baixo para verificar onde podem pisar. Elas achavam, pai, que se olhassem para baixo poderiam sair andando. Eu acho que chega uma hora na vida da flor que esse engano acontece, sabe, elas pensam que precisam andar para serem livres. E, logo em seguida, elas morrem.
- Isso não acontece só com as flores, filho.

Um comentário:

  1. Fico encantada como acontece o desenrolar das prosas. Agora entendo...Victor teve a quem puxar...o pai, que nunca esteve desocupado e por isso mesmo tem tempo pra tudo, rsrsrs.
    Adentrar-se nas profundezas através do diálogo quanto às percepções sociológicas, comportamentais e culturais talvez seja um dos bens mais preciosos que possamos adquirir e cultivar nesta vida!

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