- Pai, tá fazendo o que?
- Oi filho! Vou martelar esse prego na parede para pendurar
um quadro.
- E como você sabe que o prego vai aguentar o quadro?
- Ah, é um quadro pequeno, o tamanho desse prego é
suficiente se for bem pregado.
- E não tem perigo dele se soltar da parede, pai?
- Não, filho. Pelo menos não agora, mas pode ser que com o
tempo o buraco aberto na parede se alargue um pouco se esse prego for mexido
várias vezes, como acontece se a gente ficar tirando e colocando o quadro do lugar toda hora, o prego vai se movimentar e a parede acaba cedendo mais espaço. Mas,
fora isso, ele só sai com muita força ou com o uso de um martelo ou outra
ferramenta parecida.
- Mas, e o quadro, pai? Ele vai ficar aí pregado nessa
parede sem nunca mudar de lugar?
- Não, filho. Assim que a sua mãe resolver mudar a decoração
da sala pela 90ª vez, ele provavelmente vai mudar de lugar.
- Entendi. Então ele depende da vontade da mamãe para se
mover, né? É bem condizente com uma natureza morta, mesmo… E porque você está
pregando nesta parede aí, pai, e não em alguma outra?
- Porque a sua mãe me daria uma martelada na cabeça se eu
pregasse em outro lugar! Ela é doutora na decoração da nossa sala,
filho, e disse que é para pregar aqui pra dar mais harmonia para o ambiente, então... Eu to pregando.
- Mas, pregar algo numa parede já é um condenamento muito
sério, porque você interfere na vida do prego, do quadro e da parede, sem ser
convidado a fazer isso. E você ainda prega sem nem questionar, pai? Você nem
verificou se isso transforma ou deforma a harmonia da sala…
- É, filho… Mas acontece que, por falar em pregar, eu é que
já estou pregado de cansaço das vezes que eu tentei dar opinião nas ideias da sua
mãe. A fadiga é menor para mim quando eu simplesmente faço o que ela pede.
- Mas isso não é pedir, então. Se ela já convenceu a esse
ponto, então ela só manda, pai. Você não faz um favor, você obedece.
- É, mas em troca eu assisto meus seriados em paz.
- Que paz estranha, pai. Você sabe que tem um prego e um
quadro aprisionados numa parede porque você foi lá e pregou sem antes tentar
perceber se isso os agradava. E você ainda diz que é isso que garante a sua
paz?
- Victor, calma. São apenas paredes, pregos e quadros. Eles
não se agradam, nem se entristecem, nem têm sentimentos como nós, filho.
- Você é um quadro?
- Não, claro que não.
- Então como você sabe como é ser um quadro?
- Vem cá, você não tem dever de casa mais não?
- Essa resposta fugitiva em forma de pergunta tem se tornado
cada vez mais constante nas minhas conversas com você e com a mamãe. Meu dever
de casa já tá feito.
- Então, ao invés de você ficar aí me tirando da minha zona
filosófica de conforto, por que você não me ajuda com isso aqui?
- To fora. Não vou te ajudar a pregar algo que eu não concordo
só porque você é um pai amigável.
- E você sugere que eu faça o que com os quadros da casa,
então?
- Bom, pra começar eu sugeriria que você não pense que eles estão sob o seu comando ou da mamãe.
Um quadro não é uma obra destinada à virar uma propriedade.
- Você acordou com os dois pés esquerdos hoje, é?
- Pai, só porque eu to te questionando, não significa que eu
to de mau humor. Aliás, hoje está sendo um dia muito tranquilo, por sinal.
- Sei… E você já decidiu se vai dormir na casa da sua
avó?
- Ah, pai, sei não… Toda vez que eu durmo lá eu tenho que
ficar o dia inteiro com ela assistindo pregação na televisão. Quando toca a
campainha eu já nem me apresso pra atender, porque eu sei que vai ser algum
irmão trazendo mais pregação… Isso quando ela não me obriga a ir na igreja…
- Eu pensei que você gostasse de ir à Igreja com a sua avó,
Victor! Você sempre diz que acha tudo aquilo muito bonito…
- E eu acho mesmo, pai… Mas, são apenas paredes, pregos e
quadros… Eles não se agradam como eu, não se entristecem como eu e nem têm sentimentos como os
meus, pai. Mas, é muito provável que eles pensem o mesmo de mim. Somos a
mesma obra de arte. Eu só gosto de olhar...
Impossível comentar sobre esse texto! É maravilhoso demais, restringe qualquer comentário.
ResponderExcluirVocê é uma excelente escritora, menina Deia.
Beijos
Sah
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